quinta-feira, 28 de março de 2013

Porto Alegre: a passagem, a manifestação e o patrimônio cultural que pagou o pato

Porto Alegre amanheceu mais triste. O Paço dos Açorianos, prédio histórico tombado, teve suas vidraças estilhaçadas e as portas manchadas de tinta. Depredação que se soma às chagas deixadas pela desinstalação apressada de uma obra de arte há algum tempo atrás. Neste fogo cruzado entre o interesse público e a manifestação legítima, fica a constatação de que, de novo, o patrimônio cultural entrou de gaiato e pagou o pato no impasse.



Primeiramente, gostaria de ressaltar que a manifestação contra o aumento das passagens é legítima. E mais, é um protesto necessário. A radicalidade das manifestações é coerente (afinal, desconheço manifestação ordeira, pacífica e silenciosa que se preste a seus fins, que são justamente mobilizar e chamar a atenção para um tema).

Também não podemos esquecer que estamos falando de transporte público, e que o tema é importante. Trata-se da mobilidade urbana, a própria viabilização da vida na cidade. As pessoas não nascem dentro de carros...

Não devemos esquecer do crescente debate pela qualificação do transporte público como alternativa para solução dos problemas de trânsito. Tema que afeta a qualidade de vida da cidade. É impossível ignorar o quanto esse aumento absurdo afasta ainda mais de uma solução o crescente problema.

Ainda, é preciso considerar parte da população com dificuldades financeiras, que depende do transporte coletivo no seu dia-a-dia. Pessoas que conquistam cada centavo com muito esforço. E que vão precisar desembolsar uma quantia significativa por dia, dinheiro de que não dispõem, até para procurar emprego, estudar ou chegar a um posto de saúde.

E neste momento em que a imprensa explora o ato de vandalismo para desqualificar a causa, não podemos esquecer de duas omissões cumulativas do ente público através dos tempos: a negligência na promoção ampla e irrestrita de educação patrimonial e cidadania, e o desrespeito ocorrido com o mesmo prédio há algum tempo atrás, quando foram removidas estruturas de uma obra de arte deixando o prédio com chagas abertas e sensíveis, danificando o reboco. Depredação esta pouco alardeada e divulgada.

Acho importante ter este panorama antes de analisar o caso, pra não cair na cilada de estigmatizar uma movimentação popular legítima e desqualificá-la por conta do equívoco de poucos.

O Paço dos Açorianos, prédio histórico inaugurado em 1901, é tombado. Patrimônio de todos os porto-alegrenses. E mais: Porto Alegre é capital, e por tabela conta a história de todos os gaúchos e brasileiros. O prédio não é apenas um edifício institucional, é um patrimônio coletivo de grande importância histórica e cultural.

Faltou a consciência de alguns manifestantes de que o Paço não é "o prefeito", e nem "a" atual prefeitura. É um prédio público utilizado por estes entes públicos. Por mais infelizes e autoritárias que sejam as posições destes entes.

Na falta de educação patrimonial, não é de surpreender que a imagem do prédio não seja de algo importante pra população, com envolvimento pessoal e afetivo. A associação mais fácil é a do prédio com a atual administração. Por esse lado, não é nada surpreendente que ele seja o alvo dos ataques.

O fato é que, de novo, o patrimônio cultural pagou o pato. A primeira vez foi com a Fonte Talavera que, danificada, deu lugar a uma réplica duvidosa. O Paço, inaugurado em período remoto e com pouca ou nenhuma ligação com os atuais dirigentes da cidade, recebeu o troco pelas atitudes equivocadas e unilaterais de uma administração. Certamente não merecia - a cidade não merecia ser agredida.

A luta pelos direitos, e pela cidadania, deveria ser plena. E cidadania inclui consciência dos direitos difusos e coletivos - entre eles, o direito à memória, a preservação do patrimônio cultural. Um direito tão importante quanto o de mobilidade urbana de qualidade.

Entre uma agressão ao patrimônio e uma agressão aos direitos e aos cidadãos, fica essa sensação confusa de injustiça e de que algo está errado. Sobrou pro patrimônio.
Sobra uma tristeza com Porto Alegre. Mas ainda uma ponta de esperança. Que essa não morra...